Quando Assassin’s Creed Odyssey foi anunciado, confesso que não me empolguei muito. Havia jogado muito o Assassin’s Creed Origins no final do ano passado e acreditava que em 2018 não teríamos outro jogo.
Isso porque em 2017 nenhum foi lançado, a Ubisoft teve um ano para respirar e trazer um jogo com inovações reais, sem a pressão de fazer mais um título anual. E todos acreditaram que a partir daí, os novos Assassin’s Creeds só sairiam a cada dois anos. Garantindo originalidade e qualidade aos títulos, características essas deficientes em alguns títulos passados, que trouxeram imagem ruim para a franquia.
Fiquei receoso sobre a qualidade de Assassin’s Creed Odyssey, mas ainda bem que eu estava enganado. Apesar dele ter claramente o Origins como base, consegue ser um jogo bem competente, enorme e abraçando de vez o estilo RPG.
Produzido pela Ubisoft Quebec, Odyssey se passa na Grécia antiga, começando no anos 431 antes de Cristo, durante a Guerra do Peloponeso, que ocorreu entre Atenas e Esparta.
Assim como em Assassin’s Creed Syndicate, podemos novamente escolher entre dois protagonistas, Alexios e Kassandra. Ambos são mercenários que podem atuar em qualquer lado da guerra, realizando missões. E são também descendentes do Rei Leônidas, tendo como objetivos descobrir mais sobre o passado de sua família, além de desvendar os mistérios sobre um culto maligno.
Enquanto Alexios é sério demais, levando suas motivações em primeiro lugar, Kassandra é uma personagem muito mais interessante, com uma personalidade forte, mais sarcástica e irônica.
E o gameplay? Tá OK?
Como citei anteriormente, Odyssey trouxe ainda mais elementos de RPG. Batalhas e missões dão pontos de experiência e a cada nível alcançado, pontos são ganhos para destravar poderes na árvore de habilidades.
As missões principais tem nível mínimo indicado, assim, o jogador pode saber se terá facilidade para jogá-las ou se terá que completar missões secundárias antes para evoluir mais o personagem. E como era em Origins, as missões secundárias acabam não sendo tão opcionais assim.
Notei que em Odyssey a experiência ganha foi reduzida, forçando mais o jogador a “grindar” para poder avançar no jogo. Há como gastar dinheiro de verdade para comprar aceleradores de ganho de experiência, mas isso vai do jogador querer acelerar o processo para aproveitar somente a campanha principal.
Por um lado pode parecer que o jogo está nos forçando a jogar mais as missões secundárias, mas por outro também parece que está tentando forçar o jogador a gastar dinheiro extra para aproveitar o jogo de uma forma mais justa.
O campo de batalha
Em Origins as batalhas tiveram uma grande mudança. Saiu o estilo de combate baseado na série Batman Arkham e entrou algo parecido com Dark Souls, onde o jogador realmente precisa saber a hora certa de atacar, defender, desviar, e quando a barra de adrenalina enche, um golpe poderoso pode ser utilizado.
Agora em Odyssey, a base do combate é o mesmo, mas muitas mudanças aconteceram. Pela árvore de habilidades podemos comprar muitos poderes que são equipáveis e utilizados nos combates. E a barra de adrenalina possui vários níveis para poder ativar esses poderes. Cada um tem uma função diferente, indo desde super golpes e adição de atributos como veneno no ataque, até a recuperação de vida.
Também existem poderes utilizados para caça ou ataques furtivos. Em geral, tudo funciona como magias em jogos de RPG, e possuem tempo de cooldown para poderem ser reutlizadas. Conforme avançamos na história do jogo, os poderes podem evoluir, tornando o personagem extremamente forte.
Para encher a barra de adrenalina, o jogador deve acertar os inimigos e também desviar dos ataques. Falando nisso, desvio é agora a única forma de escapar de ataques. Não é mais possível equipar escudos. Algo bem estranho por estarmos jogando com um personagem espartano (guerreiros conhecidos por usar lanças e escudos em combate).
A Ubisoft não poderia deixar de fazer referência ao filme/quadrinho 300. O chute “This is Sparta” é um dos poderes do jogo, e, conforme evolui, permite arremessar os inimigos muito longe.
Você decide
Outra novidade marcante está nos diálogos com os NPCs do jogo. Antes era algo passivo, uma cinematic que ia nos revelando o enredo. Mas agora, como em muitos RPGs ocidentais, podemos escolher perguntas ou respostas, definindo o final de algumas conversas. Isso nos permite mudar alguns eventos, conseguir dicas, intimidar e modificar o final. Os diálogos servem para sabermos mais sobre objetivos das missões, o que nos leva a outro novo elemento de jogo: o modo de exploração.
Ao iniciar a campanha, ele nos pergunta se queremos jogar da forma clássica, com pontos no mapa indicando as missões e objetivos ou se queremos jogar no novo modo de exploração.
Nesse modo há mais liberdade para o jogador explorar. Não há marcações no mapa e é necessário buscar dicas com NPCs para saber onde ir. Por exemplo, o NPC diz que a missão fica a oeste de uma montanha. Então, o jogador vai até essa montanha e utiliza sua águia de estimação para descobrir o local exato ou procura por si próprio.
A águia Ikaros, funciona da mesma forma que Senu em Origins. Sobrevoando um local, ela detecta inimigos e coletáveis, marcando-os no mapa. Sua percepção pode ser melhorada ao escalar e sincronizar nos pontos altos das cidades. Esses locais acabam servindo de fast travel também, desde que tenham sido acessados ao menos uma vez.
Pegação
Tanto Alexios como Kassandra demonstram interesse amoroso em vários outros personagens, e sem distinção de sexo. Durante os diálogos você pode tentar conquistá-los e as frases são bem engraçadas. Lembrando roteiro de filme pornô que tenta ter roteiro.
Procure ingredientes para criar um viagra para o marido dessa mulher. Se não resolver o problema dela, tente você mesmo!
Mas é tudo intencional, para dar uma quebrada no clima. Tem até missões que no final servem para rolar uma pegação. Não dá para não rir!
Soldados e mercenários
Como você está num campo de guerra, é comum que os exércitos inimigos acabem se encontrando. E dá para tirar vantagem disso. Uma vez, acabei provocando alguns soldados espartanos e alguns atenienses se aproximaram. Consegui um jeito de me esconder e eles acabam lutando entre si. As batalhas por conquista de território são bem interessantes
Conforme você vai realizando missões e chamando a atenção de guardas, mercenários vão sendo contratados para te eliminar. E eles ficam andando aleatoriamente pelo mapa, te procurando.
Eles tem níveis de força variados. Alguns são fáceis, outros podem matar em poucos golpes, forçando o jogador a fugir. E sempre derrubam itens raros, por isso é bom sempre enfrentá-los, quando dá!
Equipar, melhorar, caçar
Os equipamentos são fundamentais para melhorar os atributos do protagonista. As armas brancas são bem variadas, assim como os arco e flechas. E todo equipamento traz junto melhorias em vários atributos.
Diferente de Origins, não caçamos mais para melhorar por nós mesmos os equipamentos. Apesar de ainda ser preciso coletar pelo cenário “ingredientes” e caçar peles de animais, quem melhora armas e armaduras são os ferreiros.
As caçadas continuam interessantes. Alguns animais são bem espertos, com destaque para as onças que grudam no personagem e causam bastante dano. Conforme avançamos no jogo, os animais vão aumentando de nível, assim, nunca existe um momento onde eles ficam muito fracos. Sendo um bom desafio durante os momentos de exploração.
Em alto mar
As batalhas navais estão de volta e são muito mais presentes do que eram em Origins. Lá em Assassin’s Creed Black Flag, o jogo era praticamente dividido em 2 partes. Nas ilhas jogávamos “a pé” e no mar havia a navegação com batalhas navais. Mas sempre que saíamos de um modo para o outro havia um loading incomodo.
Agora em Odyssey, tudo acontece num mapa só. Não há divisão. Você sai de uma cidade, chega ao cais, entra no navio e sai navegando. É bastante impressionante ver como esse quesito evoluiu.
Os navios, por sua vez, estão diferentes, representando a época do jogo. Sem leme, sem balas de canhão e usando apenas flechas e lanças. A jogabilidade em alto mar também está mais rápida, mesmo no início, pois os navios se movem rapidamente, até mesmo para abalroar os inimigos. É como se tudo estivesse no modo turbo, não parece muito realista, mas torna as coisas menos burocráticas.
Há também uma opção de derrotar inimigos sem matá-los e então contratá-los para sua tripulação. E cada um traz novos atributos para a embarcação. Não é algo extremamente necessário, mas é um toque interessante.
Uma das coisas mais divertidas de se fazer durante as abordagens a navios inimigos é poder dar o “chute de esparta” nos adversários, jogando-os no mar. Às vezes surgem tubarões que terminam o serviço para você.
Choose your side
A Grécia está em guerra. Espartanos e atenienses trocam sopapos, enquanto você, mercenário, pode escolher um lado para proteger. E cada lado oferecem missões diferentes. Pode-se atacar bases militares ou acampamentos de inimigos, sempre com o objetivo de enfraquecer um dos lados.
Talvez esse jogo tenha o maior mapa da série!
E isso acaba afetando as batalhas de disputa de território, que ficam mais ou menos fáceis, dependendo de qual lado você ajudou. No início das batalhas você derrota alguns generais do exército oposto até que tem permissão de derrotar um mais forte. Enquanto isso, vários soldados aparecem batalhando ao seu redor, e é possível ajudá-los também. É uma das partes mais bonitas, divertidas e interessantes do jogo.
Cores, muitas cores!
Vamos falar sobre gráficos! Odyssey não mudou muito desde Origins em termos de engine. Talvez os NPCs estejam melhores trabalhados. Mas em questão de modelagem de personagens principais e cenários, não há muita diferença. Por conta disso, a mudança maior foi na direção de arte.
Para destacar mais um jogo do outro, a Ubisoft optou por uma uma paleta de cores muito mais vibrante. As cores usadas em Odyssey são bem fortes e vivas. As paisagens ficaram muito bonitas, principalmente ao entardecer ou amanhecer. É o que há de mais bonito no jogo. E o modo de fotografia é o responsável por belas imagens criadas pelos jogadores.
Jogo num PS4 Pro numa TV 1080p de 55 polegadas. E o com o supersampling ativado o resultado é muito belo, praticamente não existem serrilhados. O framerate permanece em 30fps e não notei quedas severas.
Sobre desempenho do jogo, o tempo de loading melhorou por um lado e piorou por outro. Quando nos afastamos do protagonista com a águia e voltamos, o carregamento parece ser mais rápido do que era em Origins. Já quando somos derrotados e o jogo volta para o último ponto salvo, o loading está muito mais demorado. É quase uma penalidade por morrer. Portanto, não faça como eu, seja um bom jogador e evite derrotas!
Infelizmente, a tela de loading não mostra mais o personagem principal correndo num cenário branco dentro do Animus
Bugs, sim, eles!
Dessa vez os bugs são bem menos frequentes. A base da engine vinda de Assassin’s Creed Origins é muito boa, o que trouxe bastante qualidade nesse quesito em Odyssey. Num jogo desse escopo é impossível não acontecer um ou outro bug (tipo um animal dormindo e flutuando alguns centímetros do chão), mas nada está no nível tenebroso de Assassin’s Creed Unity.
Posso citar um dos casos que eu presenciei. Numa cidade, perto de um templo, alguns NPCs rezavam em volta de uma fogueira, com os braços para o ar. E do nada um deles começou a pegar fogo, sem sair do lugar, sem tocar na fogueira. Foi estranho, mas engraçado.
Não sei se é exatamente um bug, mas os inimigos ficam completamente sem ação quando são jogados no mar, onde não “dá pé”. Ele ficam lá parados boiando e você consegue bater neles até morrerem. Isso quebra um pouco a imersão, mas serve de tática para vencer inimigos fortes e com mais nível que você. Basta jogá-los na água e descer a lenha.
Grécia sonora
No departamento sonoro o jogo é muito rico. Os sons ambientam muito bem cada tipo de cenário. As músicas, embora não sejam marcantes, cumprem bem seu papel e são mais presentes nas batalhas e momentos épicos.
A dublagem tem altos e baixos. Os protagonistas e personagens secundários tem vozes conhecidas. Letícia Quinto incorporou muito bem o espírito zoeiro de Kassandra e parece muito a vontade nesse papel.
Já os NPCs, às vezes tem vozes aceitáveis, em outras são terríveis e caricatas, não combinando com o rosto e idade do personagem. É uma pena…
Fidelidade e legado
A série Assassin’s Creed desistiu de tentar retratar fielmente uma época ou ter um tom mais sério. Antigamente, haviam poucos elementos fantásticos além da Maça do Éden e os seres da Primeira Civilização. E tudo era muito contido por elementos históricos.
Mas em Odyssey, isso foi deixado de lado, os personagens principais tem muitos poderes e equipamentos mágicos e os acontecimentos históricos não parecem ter tanta importância.
Mas isso acontece em pról de tornar a jogabilidade mais divertida. O foco é em entregar um jogo enorme, interessante e cheio de coisas para fazer. Há quem goste e quem não goste.
Se passando muito anos antes de Origins (o jogo que contou o início da irmandade de assassinos), Odyssey quase não toca nesse assunto e fica um pouco deslocado de todo o restante da franquia. Quem se importava pela eterna briga entre templários e assassinos pode acabar sentido falta disso.
A curiosa Layla e a lança de Leônidas
Layla Hassan, agora ex-funcionária da Abstergo, continua aparecendo no jogo. É ela quem consegue uma forma de visitar a memória genética dos protagonistas e “viajar” para Grécia Antiga. Mas esses momentos nos dias “atuais” continuam a ser bem pouco explorados.
Vale a pena?
Assassin’s Creed Odyssey está constantemente te lembrando que é um jogo. Apesar de ter um enredo e cenas cinematográficas, seu foco está em suas mecânicas, no gameplay e na liberdade que dá ao jogador. A Grécia se torna um grande playground criado para entreter e render dezenas de horas de jogo.
Além da campanha e missões secundárias, existem missões temporárias encontradas em estátuas pelas cidades. Isso ajuda a manter os jogadores ligados ao jogo. Além de outros DLCs com novas aventuras aparecendo em breve.
No geral, trata-se mais de um aprimoramento do jogo anterior, agregando mais elementos de RPGs ocidentais e sem tantas inovações próprias. Muitas das mecânicas existentes foram herdadas de Origins porque já estavam prontas e algumas nem mesmo melhorias tiveram, por exemplo, o modo de utilização da Ikaros.
Ainda assim, o jogo é gigantesco, muito divertido e de alta qualidade técnica. Espero que para o próximo jogo da franquia exista um tempo maior de desenvolvimento e, com isso, uma aposta em novas mecânicas e maior foco em inovação e criatividade.
- A Ubisoft nos enviou o jogo para análise, testado no PS4 PRO, TV 1080p